Com aventura despretensiosa, muito humor e elenco afinado, filme de Dungeons & Dragons é uma grata surpresa
quem acompanha o Flow Games desde o comecinho – quando ainda estávamos no Beta, dentro da NV99 – deve se lembrar que temos uma relação de amor e ódio com “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes“, o mais recente filme a tentar levar para a tela dos cinemas a magia e a aventura imaginária dos RPGs de mesa.
O mais correto, talvez, fosse dizer ódio e amor, já que começamos com os 3 pés atrás em relação ao live-action. Pudera, uma vez que os primeiros materiais de divulgação do longa davam a entender que estaríamos diante de mais um fiasco com a marca D&D – com direito a um teaser de personagens bem mambembe na San Diego Comic Con 2022.
Não demorou, no entanto, para que as próximas peças dedicadas ao filme dessem um salto de qualidade. O ponto de virada? O 1º trailer oficial do projeto, que deu uma prévia da química do elenco, caprichou no bom-humor e nos fez praticamente “pedir perdão pelo vacilo” por termos pesado a mão com as críticas anteriores.
Desde então, recebemos novos clipes, um 2º trailer ainda mais escrachado, pôsteres dedicados a cada um dos personagens da brincadeira e alguns dos atores até vieram para o Brasil – durante a CCXP 22 – para tentar elevar o hype do público geek em relação à película.
A dúvida que ficava no ar era: será que o produto final manteria a boa qualidade ou estávamos diante de um novo “Esquadrão Suicida“? Felizmente, pudemos assistir antecipadamente a uma sessão de “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” nos cinemas e contamos aqui para você se a espera pela aventura valeu a pena. Vem com a gente!
Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes
O novo filme da Paramount Pictures em parceria com a Hasbro – atual detentora dos direitos de D&D – tinha uma missão simples e um pouco triste: ser pelo menos melhor do que “Dungeons & Dragons: A Aventura Começa Agora“, filme de 2001 que fez os jogadores de RPG se retorcerem de desgosto na poltrona.
Pois bem, “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” não só tira de letra essa quest – desbancando também os terríveis “Dungeons e Dragons 2: O Poder Maior” e “Dungeons & Dragons: The Book of Vile Darkness” – como também é um ótimo filme por mérito próprio, sem nenhuma comparação com seus antepassados.
De acordo com a sinopse oficial, o filme “conta a jornada de um ladrão encantador e um bando improvável de aventureiros que armam um plano épico para recuperar uma relíquia perdida. Mas as coisas vão perigosamente mal quando eles encontram as pessoas erradas. O longa traz o mundo rico e o espírito divertido do lendário jogo de RPG para a tela grande em uma aventura hilária e repleta de ação”.
Se pareceu uma trama simples e bobinha é porque é mesmo, mas não se preocupe: isso joga 100% a favor da produção. Sem pretensões de se tornar uma megassaga cinematográfica e servir como uma mera introdução para outros 25 capítulos da franquia, “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” consegue contar sua própria história e entregar uma diversão sob medida para o público.
A party (quase) perfeita
Em vez de tentar criar algo épico e grandioso – um erro cometido por muitas adaptações de jogos, como “Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos” –, os diretores Jonathan Goldstein e John Francis Daley parecem ter entendido que não precisam se levar a sério para captar a essência dos RPGs, como acontece nas próprias mesas de jogo.
Isso permite, por exemplo, que os diversos trechos expositivos do roteiro não pareçam cansativos, já que o diálogo entre os personagens flui tão bem que você quer ver eles falando mais, contando causos e tirando um sarro um do outro – tudo enquanto adicionam contexto e fazem a trama seguir adiante.
Isso só funciona porque a escolha de elenco de “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” é simplesmente primorosa. A química entre o bardo Edgin (Chris Pine) e a bárbara Holga (Michelle Rodriguez), protagonistas da aventura, é irretocável. Pine, em especial, parece ter abraçado a galhofa e se divertido mais do que devia nas filmagens.
Hugh Grant, por sua vez, que interpreta o vigarista Forge, abraça seu lado canastrão sem deixar de lado o carisma que o acompanha desde as comédias românticas de duas ou três décadas atrás, enquanto Sophia Lillis (de “It – A Coisa”, de 2017) cai como uma luva no papel da druida Doric.
O trabalho dessa turma é tão bom que você até esquece a atuação “apenas ok” de Justice Smith, que assume o manto do mago Simon, e o fato da vilã Sofina (Daisy Head) ser quase um item supérfluo na história do filme como um todo – neste último caso, ajuda muito a presença de um antagonista bem mais divertido.
- Dica: fique de olho em algumas participações especiais e personagens secundários imperdíveis, como o ex-marido de Holga e o impagável Jarnathan!
Acertando todos os ataques
Mais do que um elenco primoroso, o novo filme inspirado em Dungeons & Dragons tem a ousadia de se destacar em praticamente todos os quesitos técnicos e subjetivos, o que torna muito fácil dizer que o longa é muito melhor do que merecia ser.
Duvida? Então, vamos falar de efeitos visuais. Mesmo em produções mais estabelecidas (sim, estamos olhando para você, MCU) é muito fácil que os elementos gerados por computação gráfica deixem a desejar. A chance de tudo ser um fiasco se intensifica ainda mais quando você tenta criar um live-action baseado numa IP de fantasia, com castelos, dragões, magias e personagens capazes de se transformar em todo tipo de criatura.
Felizmente, a equipe de VFX de “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” faz o dever de casa e entrega uma produção de alta qualidade durante a maior parte do tempo. E não é como se o longa economizasse nas locações e efeitos especiais para caprichar em 2 ou 3 cenas: tem muita coisa em CG o tempo todo na sua cara – e elas não te tiram da aventura.
O humor também é outro fator muito presente e um tópico que é muito fácil errar a mão e criar algo que os jovens chamam de cringe. Mais uma vez, o time de D&D merece aplausos pelas gostosas risadas arrancadas ao longo de todo o filme. Sério, há pelo menos uma piadinha ou situação engraçada a cada 5 minutos (não é cansativo, sério) e é difícil segurar o riso nesses trechos.
Há pelo menos uma piadinha ou situação engraçada a cada 5 minutos
Aqui, vale um adendo: tudo fica ainda mais engraçado se você pensar que não se trata de um longa-metragem convencional, mas sim uma aventura de RPG com pessoas reais por trás das decisões de cada um dos personagens. Se liga:
- A magia que não deu certo? O mago tirou 1 na rolagem do dado.
- Os heróis têm pouco apreço pela própria vida? Os jogadores sabem que podem sair daquela situação de algum jeito.
- O corte seco na conversa entre um personagem e outro? É obviamente alguém zoando porque o coleguinha se empolgou demais no roleplay.
Os veteranos do RPG (de mesa ou dos games) ainda vão encontrar uma infinidade de referências e pequenos easter eggs no live-action. Isso vai das magias e itens conhecidos dos jogadores, até menções a locais e personagens icônicos da IP – de Elminster e Icewind Dale a Neverwinter e Baldur’s Gate.
Questão de timing
Para não dizer que “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” acerta em tudo, dá para cravar com muita tranquilidade que este seria um filme melhor se fosse mais curto. A tradicional marca da 1h30 de duração (talvez um pouco mais) seria suficiente para contar a mesma história – sem perdas significativas –, mas com um ritmo bem menos cansativo que as atuais 2h14.
Não é como se você ficasse desejando que o filme acabasse logo, mas a trama começa a dar voltas em torno de si mesmo e cria aquela “barriguinha” ao longo de 2º ato, quando o paladino Xenk (Regé-Jean Page) é introduzido à história. Não seria difícil eliminar esse longo trecho e costurar os pontos necessários com os elementos já presentes da trama.
Uma nova esperança para o RPG
Da mesma forma como as adaptações de jogos para a TV e cinema vão, pouco a pouco, deixando seu passado lastimável para conquistar o mainstream – com produções como “The Last of Us” arrebatando gamers e leigos –, o novo filme de Dungeons & Dragons parece ser a peça que faltava para fazer o mesmo pelos RPGs.
Com uma trama simples, divertida, bem-humorada e autocontida, “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” é uma Sessão da Tarde deliciosa – no melhor sentido do termo – e que mostra que ainda é possível resgatar a alma dos filmes de ação e aventura das décadas de 1980 e 1990 em produções atuais e de ótima qualidade.
“Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” é uma Sessão da Tarde deliciosa
O mais bacana de tudo? Partindo do princípio que “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” pode agir como uma porta de entrada divertida para o mundo de D&D, não faltam opções para que os interessados mergulhem a fundo na franquia onde acharem melhor: seja na próxima temporada de “Stranger Things“, na nova edição do RPG de mesa (One D&D, programado para 2024) ou nos games, com o vindouro Baldur’s Gate 3 prestes a sair do forno. E que venha mais!
O Flow Games assistiu a uma sessão antecipada de “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” a convite da Paramount Pictures.